Entendemos que esse
projeto de lei é desnecessário, prejudicial à sociedade brasileira e mais um
ataque a um direito básico e fundamental de todos, que é o trabalho.
O estabelecimento
de uma reserva de mercado de trabalho como já ocorre em muitas outras áreas
levará a uma indevida valorização da posse de um diploma em detrimento da posse
do conhecimento, que é justamente a habilitação que ele deveria prover. O
diploma, por si só, não garante ao profissional licenciado a capacidade de
produzir sistemas de software que reúnam confiabilidade e usabilidade
consistentes. Além disso está longe de ser uma forma efetiva de resolver os
problemas de qualidade e confiabilidade de software.
Acreditamos que
essa nova lei fará o Brasil perder competitividade no setor de informática,
especialmente na produção de softwares, caso realmente seja exigido diploma de
nível superior dos analistas de sistemas.
Para demonstrar
nosso posicionamento, enumeramos 14 motivos contrários à regulamentação e
outros 10 contra-argumentos comuns ditos por quem é a favor da nova legislação,
além de vídeos que nos ajudam a manter nossa posição. Confira!
O que diz o atual
Projeto de Lei 607/2007?
Para entendermos
melhor essa lei e como ela pode afetá-lo, seja você profissional da área ou
não, ela reúne os seguintes pontos:
- Regulamentar a profissão de analista de
sistemas, o que obrigaria o profissional a ter o diploma ou cinco anos de
experiência com registro do conselho regional de informática;
- Regulamentar a profissão de técnico de
informática, com obrigatoriedade do colegial técnico em processamento de
dados ou 4 anos de experiência com registro no conselho regional de
informática;
- Jornada de trabalho semanal de 40 horas, mas
permitindo aos sindicatos de empregados e empregadores a livre negociação
sobre a redução da jornada, nas discussões relacionadas à negociação
coletiva;
- Jornada de 20 horas semanais para as
atividades que demandem esforço repetitivo, não excedendo a cinco horas
diárias, com quinze minutos para descanso;
- Será fiscalizada pelo Conselho Federal de
Informática (CONFEI) e pelos Conselhos Regionais de Informática (CREI),
que irá cobrar: anuidades dos profissionais inscritos, taxas de expedição
de documentos, emolumentos sobre registros e outros documentos;
- Os estágios somente serão permitidos no
período de formação profissional, não podendo ultrapassar o prazo de dois
anos.
Posso apostar que
você, caro leitor, possui boas idéias para solucionar os diversos dilemas da
humanidade. Tenho certeza também que deve ter ótimas intenções. E creio que a
maioria dos apoiadores do projeto sejam honestos e acreditem que vários
requerimentos existentes em qualquer projeto na área de TI poderão ser
solucionados com a aprovação de tal lei, como: qualidade de software;
qualificação da mão-de-obra; aumento de salários; carga horária e
especialização. Mas, assim como nos mais diversos temas, digo que a minha
liberdade é mais importante do que a sua grande ideia. E aceito que o contrário
seja verdadeiro.
Portanto
acompanhei de perto a dura realidade da “Política Nacional de Informática”, um
nome bonito para a reserva de mercado que perdurou no nosso país entre 1977 e
1991 (demorou um tempo até o mercado se rearranjar). Os trabalhos tanto em
projetos nacionais quanto internacionais, grandes e pequenos, e com pessoas das
mais variadas origens, culturas, idiomas e qualificações.
Problemas da
regulamentação
Competitividade no cenário global: o
Brasil já tem dificuldade para competir com outros países na hora de vender
produtos e serviços de tecnologia da informação por causa da burocracia, dos
impostos e da barreira do idioma. Coloque mais uma coisa para dificultar, como
a regulamentação da profissão de analista de sistemas, e veja investidores
começando a olhar para a Irlanda, China ou Polônia como opções mais lucrativas
que o Brasil. Pior, começa a valer muito mais a pena para as empresas
brasileiras contratar serviços de outros países, como a Índia. A regulamentação
no Brasil não vai criar e nem proteger empregos. Ela faz os empregos migrarem.
E fiquem ligados, pois isso já está acontecendo.
Barreiras ao empreendedorismo: no Brasil já é complicado abrir um
negócio, porque a lei apenas prejudica o cidadão, já que os impostos comem todo
aquele capital que você preferiria transformar em novos negócios e empregos. A
regulamentação da informática torna as coisas ainda mais complicadas,
considerando que hoje toda empresa precisa ter seu parque tecnológico e seus
profissionais. Obrigando-as a contratar pessoas com diploma e todos os outros
detalhes exigidos pelos Conselhos Regionais, os empresários – principalmente os
pequenos – se tornam ainda mais reféns da já existente falta de mão de obra
especializada.
Barreira à inovação: países que são pólos efervescentes de
inovação em tecnologia como os Estados Unidos e a Índia não criam esse tipo de
barreira e é por isso que estão no patamar atual. O Vale do Silício, local de
onde saíram as principais e mais famosas empresas de TI do mundo, não existiria
com uma lei que torna mais complicada a captação de talentos. E como uma
regulamentação pode definir o que é o mínimo que um profissional deve conhecer
em uma área tão dinâmica como tecnologia? Isso acaba tendo o mesmo efeito que o
vestibular, em que as pessoas vão investir nesse conjunto mínimo de
habilidades, ao invés de se arriscar estudando algo que poderia gerar muito
mais valor. Exemplo prático? Quantas faculdades hoje ensinam programação para
Android e IOS (iPhone, iPad)?
Baixa oferta de mão de obra qualificada: estamos cansados de
ouvir as notícias que constatam a falta de mão de obra qualificada para
preencher as vagas de tecnologia nas empresas. Mesmo com a crise isso é
verdade, como você pode ver nos sites de ofertas de emprego. Com a
regulamentação, o número de possíveis candidatos será ainda menor, o que começa
a estimular práticas como terceirizar ou contratar serviços em outros países.
Ou fechar as portas. Ou, pior ainda, engolir a qualidade baixa de qualquer
jeito. Você não tem a ilusão, neste seu atual estágio de experiência
profissional e de vida, que ter diploma seja sinônimo de qualidade, certo?
Incentivo à mediocridade: em informática, uma reserva de
mercado só vai servir para proteger os medíocres, pessoas que têm um diploma de
uma faculdade qualquer e pagam a mensalidade do Conselho Regional em dia, mas
que profissionalmente são fracos. Normalmente são pessoas formadas em alguma
“Uni esquina” do Grupo Tabajara por aí, em que o processo seletivo consiste
apenas na assinatura de um cheque, e quase todo mundo se forma no tempo certo –
caso pague por isso, obviamente. É algo raro alguém sair de um curso desses
sabendo, de fato, programar. Com uma reserva de mercado garantida por força de
lei governamental, essas pessoas ficarão ainda mais despreocupadas em tentar
progredir, já que a carteirinha de registro dele e a falta de mão de obra
segura seu emprego. Se bobear, ele apenas assina os projetos. Quem é bom
profissional, diferentes dele, hoje já se diferencia, tanto que não tem
problema para se colocar no mercado e não precisa dessa lei para se proteger.
Todos farinha do mesmo saco: o projeto de lei trata todo
profissional de TI como Analista de Sistemas ou Técnico de Informática.
Inclusive, obriga pessoas que vão gerenciar projetos ou fazer auditoria a serem
profissionais com diploma na área. É de conhecimento de todos que muitos
gerentes de projetos entendem pouco da parte técnica de um sistema de
informática, mas é um exagero dizer que alguém precisa de um diploma na área para
entender o suficiente para gerenciar o projeto. Desenvolver um sistema e
gerenciar pessoas são competências muito diferentes. Um profissional formado em
Administração não deve se sentir confortável para desenhar a arquitetura em
camadas de um sistema web de alta performance e decidir se a melhor abordagem
para os componentes de negócios são Webservices AXIS ou JAX-RS. Acho besteira
desperdiçar o tempo dos professores e alunos que acham mais legal gerenciar
projetos e pessoas com aulas, por exemplo, sobre árvores binárias. Sem falar
que os cursos de TI normalmente não têm quase nenhum conteúdo voltado a
planejamento, coordenação e gestão de pessoal. Já pensou se tivessem? Se os
formandos já pecam bastante na parte técnica, seria ainda pior, pois iriam deixar
de fora partes importantes do currículo.
Mais uma taxa para machucar seu bolso: essa é fácil de justificar.
Você, trabalhador honesto, acha legal pagar uma taxa anual (ou mensal, sei lá)
para poder continuar trabalhando honestamente? E os impostos que você já paga?
Lá em cima, no segundo parágrafo, escrevi: “…. E creio que a maioria dos
apoiadores do projeto sejam honestos e acreditem que vários requerimentos ….”.
Notaram a palavra “maioria”? Se existe uma maioria, temos do outro lado uma
minoria. Descobriu quem são eles?
Diploma como um fim: a regulamentação parte do pressuposto
de que o diploma é um fim, e não um meio para que o sujeito se torne um bom
profissional. Como se ao receber o diploma ele se tornasse um ser iluminado,
saindo de seu casulo dourado para se tornar um super mega analista de sistemas.
Acredito que todo mundo que trabalha na área já conheceu gente com o diploma
que é um zero à esquerda como profissional. Todo mundo da área sabe que existem
muitas faculdades que não se preocupam com a qualidade do curso, e sim com a
lucratividade do negócio do diploma. A regulamentação ajuda as pessoas que veem
o diploma como um fim a se tornarem mais acomodadas ainda.
Certificações privadas: o próprio mercado possui mecanismos
para selecionar e certificar os melhores profissionais. Dentre eles, temos:
RHCE, LPI, VMWare e Citrix para sistemas operacionais (SO); CCNA, CCNP e CCIE
para redes; CISSP, Check Point e CCNP para segurança; ITIL, COBIT e PMP para
gestão de projetos e; OCP, OCA, OCE e MCP para desenvolvimento de softwares.
Uma certificação ajuda, e muito, na hora de se procurar um bom emprego ou
reivindicar a tão desejada promoção, além de ser uma garantia a mais para o
empregador de que você é capaz de preencher aquela vaga. Como todo processo de
mercado, a aceitação dessas certificações,
tanto por parte dos profissionais quanto pelas empresas, é voluntária. Ou seja,
nós profissionais podemos conquistá-la ou não e a empresa pode considerá-la
importante ou não. É desnecessário, pior, é uma agressão obrigar qualquer uma
das partes a aceitar termos pelos quais elas não concordem.
A aplicação: um médico assina o diagnóstico e a receita para seu
paciente; o arquiteto assina a planta do imóvel; o contador assina os livros
fiscais; o advogado assina a petição; o programador assinaria o quê?
Código-fonte? Um código-fonte que pode ser alterado por outra pessoa minutos
depois? Teremos fiscais dos Conselhos Regionais de Informática ou do Ministério
do Trabalho acompanhando o desenvolvimento de um software? E quem fiscalizará
os fiscais? Outros fiscais? Teremos mais custos diretos ou indiretos – via
impostos, para pagar o salário e outros custos de todos esses burocratas em
potencial? Como fazer cumprir a lei? Ameaçando, coagindo e multando empresas
que não a cumpre? Usando a força de armas e cassetetes contra pessoas
produtivas que criam empregos e ajudam o crescimento econômico e social de toda
a nação? Escolha suas alternativas. Ou todas, elas dependendo do seu grau
ditatorial.
Revalidação de diplomas: talvez por ter aproveitado as mesmas
leis que regem a regulamentação da profissão de médico, o projeto de lei para
os profissionais de informática prevê, ainda, a possibilidade de os diplomados
por escolas estrangeiras trabalharem na área, contanto que revalidem seus
diplomas. Para ser a favor de tal ato, tenho apenas duas palavras feias:
protecionismo ou xenofobia. Escolha uma. Ou as duas.
Negociação com sindicatos: negociar com sindicatos monopolistas
e obrigatórios, empresas e colaboradores é algo que simplesmente não existe no
Brasil. Os salários deverão ser reduzidos devido à contratação de outro
profissional para conseguir compor a carga de trabalho diária e os intervalos
para não ocasionar o LER. Lembrando que desconheço qualquer empresa que mantenha
chefes atrás da cadeira dos seus subordinados impedindo-os de ir ao banheiro ou
tomar um cafezinho.
Precisamos de babás? Os problemas oriundos da má formação
profissional ou da má prestação de um serviço advêm da confiança depositada
pelos consumidores nos órgãos estatais de fiscalização e conselhos de classe.
Sentindo-se seguras pela legislação, as pessoas deixam de requerer dos
profissionais a apresentação de seus certificados, garantias, indicações ou
outras vias de atestar seus conhecimentos.
Além disso, quando desejamos consultar o histórico de um profissional,
esbarramos na burocracia dos conselhos de classe. E se alguém tentar criar um
serviço paralelo de avaliação destes profissionais, com certeza sofrerá uma
enxurrada de processos de indenização por danos morais e materiais, além de
queixas penais; o que inibe esta importante iniciativa.
Imperativo moral: deixei por último o argumento que
acredito ser o mais importante, o de cunho moral. Pense comigo: de quem é a
propriedade e o direito exclusivo sobre o seu próprio corpo, sua mente e suas
habilidades? Espero que você tenha respondido em alto e bom som “EU!”, pois
qualquer outra resposta o equipararia a um simples fantoche. E o que significa
“propriedade”? É o direito de dispor de um recurso com poder de decisão sobre o
mesmo, o que inclui o direito de repelir, quando necessário, outros do usufruto
e ocupação deste recurso. Portanto, propriedade sobre si mesmo é o direito de
agir livremente com o seu corpo, desde que não se viole o direito de terceiros,
e de não permitir que outros indivíduos violem a autoridade sobre seu corpo. Desta
forma, como permitir que terceiros, sem o seu consentimento, impeçam você ou
qualquer outra pessoa de utilizar seus maiores e mais poderosos recursos – seu
corpo, sua mente, suas habilidades – de trabalhar? Em uma economia de mercado,
o princípio ético que deve regular as interações sociais deve se basear na
consideração de que a sociedade mais justa será aquela que, de maneira mais
enérgica, promover a liberdade e a criatividade laboral e empresarial de todos
os seres humanos que a componham. Para isso, é imprescindível cada um deles ter
de antemão a segurança de que poderá usufruir os resultados do seu trabalho e
de que não será expropriado total ou parcialmente por ninguém, muito menos pelo
governo ou por um conselho de classe. Consegue perceber que ser contra esse
princípio moral de propriedade sobre si próprio, abrir mão da sua mente, das
suas habilidades e sobre o resultado do seu trabalho o torna um escravo ?